HomeNOTÍCIAS“Recomendo o uso contínuo de drones para entender e defender as nossas...

“Recomendo o uso contínuo de drones para entender e defender as nossas praias”

Epifânia Coane, finalista de Geologia Marinha

Epifânia Coane, finalista do curso de Geologia Marinha da UEM, está a revolucionar a forma como monitoramos as praias moçambicanas. Usando drones e dados meteoceanográficos, a jovem investigadora estudou a morfodinâmica da praia de Zalala, revelando não só os efeitos das mudanças sazonais e climáticas, mas também a resiliência surpreendente daquela faixa costeira. Em entrevista, defende o uso contínuo desta tecnologia como ferramenta crucial para a defesa, gestão e sustentabilidade das zonas costeiras. Acompanhe!

O que motivou a escolha da praia de Zalala para este estudo?

A escolha da praia de Zalala foi motivada por sua importância socioeconómica e ecológica para a região de Quelimane. Além disso, um dos maiores desafios para a manutenção do equilíbrio morfodinâmico de Zalala são as mudanças climáticas, que têm intensificado a ocorrência de ciclones tropicais e o aumento do nível do mar. Esses factores, em conjunto com as pressões antropogénicas, como a construção de infraestruturas e actividades pesqueiras, têm comprometido a estabilidade da praia e a segurança das comunidades locais que dependem dessa área para suas actividades económicas, o que oferece uma excelente oportunidade para investigação científica sobre processos de erosão, sedimentação e variações sazonais.

Pode explicar, de forma simples, o que é morfodinâmica de praia?

Morfodinâmica de praia é variação morfológica da praia ao longo do tempo devido à acção de factores naturais marinhos e atmosféricos como as ondas, as correntes, as marés e ventos. Esses factores interagem entre si de maneira dinâmica, fazendo com que a praia sofra processos de erosão (perda de areia) ou de deposição (acúmulo de areia). A morfodinâmica ajuda a entender por que algumas praias recuam, outras avançam e como esses processos variam com as estações do ano ou durante tempestades. Esse conhecimento é essencial para proteger as zonas costeiras e planear seu uso de forma sustentável.

Que papel os drones tiveram na tua pesquisa?

Embora estudos anteriores sobre a morfodinâmica da praia de Zalala tenham contribuído para o conhecimento da área, eles enfrentaram limitações significativas quanto à confiabilidade dos dados, principalmente devido ao uso de métodos tradicionais como o teodolito óptico e GNSS-RTK, que apresentam restrições operacionais, altos custos e baixa eficiência em grandes extensões costeiras. Diante disso, a presente pesquisa teve como finalidade realizar um levantamento topográfico detalhado da praia de Zalala, com o objectivo de descrever a sua morfologia, identificar variações sazonais de relevo e analisar as dinâmicas erosivas e deposicionais ao longo da linha de costa. Para isso, utilizou-se um drone (VANT) como ferramenta principal de aquisição de dados. Essa tecnologia permitiu captar imagens aéreas com alta resolução espacial, cobrindo uma área extensa em pouco tempo, com baixo custo operacional e precisão comparável aos métodos clássicos. A fotogrametria gerada a partir das imagens colectadas pelo drone foi essencial para a criação de modelos digitais de elevação e perfis topográficos, viabilizando uma análise espacial mais eficiente da dinâmica costeira da região.

Que tipo de mudanças ocorrem na praia durante o verão e o inverno?

Durante o verão, a praia de Zalala tende a apresentar um perfil mais suave e estável, com deposição de sedimentos ao longo da sua extensão. Isso deve-se à presença de ondas menos energéticas e ventos moderados, o que favorece a reconstrução natural da praia. Já no inverno, observamos mudanças mais expressivas na morfologia, com um perfil mais inclinado e marcado por processos erosivos. Isso ocorre por causa das ondas mais fortes e ventos intensos, que transportam os sedimentos da parte superior da praia para áreas mais profundas do mar. Essas mudanças sazonais estão em conformidade com a literatura científica sobre dinâmica costeira. Esse processo é cíclico, ou seja, naturalmente, esses processos alternam-se construindo a praia durante o verão e promovendo a erosão durante o inverno.

As tempestades influenciam muito a forma da praia?

Sim, tempestades têm grande impacto na morfologia praial. Elas intensificam a energia das ondas e das correntes, podendo causar erosão severa, recuo da linha de costa e redistribuição abrupta dos sedimentos em curtos períodos. Por isso, é importante entender os processos naturais, para poder elaborar uma gestão dos ambientes costeiros para planejar e minimizar os efeitos negativos das mudanças climáticas, como o aumento da frequência de eventos extremos.

 

O que descobriu sobre o papel das marés no transporte de sedimentos?

As marés têm um papel muito importante no movimento dos sedimentos na praia de Zalala. Elas ajudam a transportar os sedimentos da parte das dunas para a praia e também da praia de volta para as dunas, dependendo da direcção dos ventos e do nível da água. Esse vai e vem constante das marés muda a forma da praia com o tempo.

 

Houve alguma descoberta que te surpreendeu durante o estudo?

Sim, uma das descobertas que mais me surpreendeu foi a resiliência da praia de Zalala diante da passagem de ciclones tropicais. Apesar de ser uma região vulnerável a eventos climáticos extremos, como tempestades e ciclones que afectam a costa moçambicana, a praia demonstrou uma notável capacidade de recuperação morfológica. Mesmo após períodos de intensa energia das ondas e ventos associados a essas tempestades, os perfis topográficos analisados indicaram que, com o tempo, a praia tende a se reestabelecer naturalmente, voltando a apresentar uma morfologia mais equilibrada, especialmente durante a estação seca.

Esse comportamento reforça a importância de entender os processos sazonais e extremos na dinâmica costeira local, pois revela que, apesar da erosão provocada por eventos severos, a praia possui mecanismos naturais de deposição e reconstrução que contribuem para sua estabilidade ao longo do tempo. Essa descoberta foi especialmente relevante por mostrar que a praia de Zalala, embora vulnerável, também possui um certo grau de adaptação e resistência às mudanças climáticas e eventos extremos.

Como esse estudo pode ajudar a proteger ou gerir melhor a zona costeira de Zalala?

O uso de drones mostra-se uma ferramenta inovadora e eficaz para o monitoramento de ambientes costeiros, especialmente em áreas como a praia de Zalala, onde o acesso a métodos tradicionais de levantamento topográfico é limitado, principalmente pelos custos elevados de tecnologias convencionais, como o GNSS-RTK e aerolevantamentos. Assim, este estudo fornece dados consistentes e de alta precisão para planeamento de políticas públicas, ações de conservação, para a gestão de recursos e a promoção de actividades sustentáveis, que beneficiem as comunidades locais, especialmente aquelas que dependem da pesca e do turismo para sua sobrevivência.

Qual foi o maior desafio ao longo da tua pesquisa?

Um dos maiores desafios da minha pesquisa foi a colecta de dados meteoceanográficos — como ventos, correntes e ondas — na praia de Zalala. Isso deve-se, principalmente, à falta de instrumentos oceanográficos no local, como bóias, sensores de corrente ou marégrafos permanentes, o que dificultou bastante a obtenção direta de dados confiáveis. Por conta disso, foi necessário recorrer a fontes secundárias, como dados de satélite e reanálises. Além disso, o processamento de imagens e dados captados por drone também foi um desafio, especialmente devido ao alto custo dos softwares especializados em fotogrametria e à necessidade de adaptação técnica. Como se tratava de uma metodologia ainda pouco explorada em Moçambique, não havia muitos estudos anteriores para servir de referência, o que exigiu ainda mais cuidado e dedicação.

Neste contexto, a actuação dos meus supervisores, o Prof. Doutor Hélder Machaieie e o Prof. Doutor Rogério Manzolli, foi essencial. Eles orientaram-me na escolha das ferramentas mais adequadas, ajudaram a validar os procedimentos adoptados e contribuíram com sugestões metodológicas fundamentais, para garantir a qualidade e a credibilidade dos resultados obtidos. O apoio deles foi decisivo para transformar essas limitações em oportunidades de aprendizado e inovação dentro da pesquisa.

Depois do curso, pretendes continuar a investigação nessa área?

Sim, pretendo continuar na área de Ciências Marinhas, com foco em morfodinâmica costeira e monitoramento ambiental. O estudo de Zalala despertou ainda mais interesse pela conservação costeira e pelo uso de tecnologias como drones e modelagem para entender e proteger os ecossistemas litorâneos.

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR !

ANÚNCIOS

.

Mais Visto